sábado, 27 de febrero de 2016

HUMANÆ - CATALOGANDO AS NOSSAS CORES

Tudo começou com um projeto final de mestrado e o resultado foi uma coisa maior que a vida: registrar todos os tons possíveis da pele humana. Foi com essa premissa que a artista plástica carioca Angélica Dass deu o ponto de partida ao seu extraordinário projeto Humanæ. Usando a escala de tons da Pantone, Angélica tira fotos dos seus voluntários e preenche o fundo do retrato com a mesma cor da pele de cada um. Angélica, que mora em Madri, conta como o projeto mudou a sua vida.

«Humanae significa Humano em latim. A inspiração para este projeto vem de minhas raízes familiares. Eu sou a neta de um “preto” e “indígena” e filha de um pai “negro” adotado por uma família “branca”. Então, eu sou uma mistura de diversos pigmentos. Humanae é uma busca para destacar a nossa verdadeira cor ao invés do falso vermelho e amarelo, preto e branco. Para mim, é uma espécie de jogo para subverter os nossos códigos. Como os códigos eu tento falar sobre o que aprendemos, muitas coisas que são tanto sociais, linguística e culturais, nuances do cotidiano que eu gostaria de repensar. Eu comecei este projeto como um trabalho final de master, em abril de 2012. As primeiras imagens foram feitas no Brasil, com alguns membros da minha família. Em julho deste ano eu comecei a fazer anúncios públicos através de redes sociais, dizendo onde eu estaria retratando e os que entendessem minha mensagem e quisessem participar eram bem-vindos. Mas que haja diversidade no projeto; eu trabalho em espaços que não são apenas no mundo da arte. As duas mil imagens do projeto são feitas em museus, galerias e feiras de arte, mas também em favelas, em ONGs, na sede da UNESCO, em cooperativas que trabalham com desabrigados. A diversidade do projeto não é apenas de rostos e cores, mas de classes sociais, nacionalidades, religiões, orientações sexuais, eleições políticas, status econômico…»



«Dividir a população como branca, preta, amarela, parda ou indígena é uma das coisas mais kafkanianas que existem, para começar com a pobre palavra “indígena” que não é cor. A definição oficial de “pardo” é um retrato dessa mistureba: “não-brancos” e não enquadrados como amarelo ou preto. Essa mistura é uma das essências de ser brasileiro.

«Eu digo que sou negra, mas nas minhas veias correm sangue branco, preto e indígena. A pergunta que fica é como me declaro? Pela minha aparência? Pela minha mãe? Pelos meus avós? A obrigação da declaração me gera mais questões que certezas. Mas acrescento que estas classificações originadas no século XVIII finalmente encontram utilidade em uma política pública de cotas, que é um paliativo para um final de escravidão sem nenhuma política de educação e igualdade. Parece que cem anos depois algo pode ser feito por aqueles escravos do XIX que foram transformados em criados no século XX, vamos ver o que podemos esperar do século XXI.»


«Eu tenho outro projeto aberto, que também trabalha com colaboração, e que se chama autodeclaração, como uma declaração de rebeldia ao fato de ter que escolher 5 opções dadas pelo governo para definir-se. Uma chamada à reflexão e discussão sobre uma classificação criada e utilizada pelo Estado, baseada em estudos arcaicos que acreditavam que características faciais de uma suposta raça geravam a propensão de cometer um crime. As pessoas que participam me mandam um retrato 3x4 com sua declaração, por exemplo, amarelo estudante de concurso público, café com leite ou qualquer interpretação de sua cor.»



O Brasil deve ser um dos únicos países com a opção de “cor da pele” nas certidões de nascimento, o que você tem a falar sobre isso?

Dividir a população como branca, preta, amarela, parda ou indígena é uma das coisas mais kafkanianas que existem, para começar com a pobre palavra “indígena” que não é cor. A definição oficial de “pardo” é um retrato dessa mistureba: “não-brancos” e não enquadrados como amarelo ou preto. Essa mistura é uma das essências de ser brasileiro. 
Eu digo que sou negra, mas nas minhas veias correm sangue branco, preto e indígena. A pergunta que fica é como me declaro? Pela minha aparência? Pela minha mãe? Pelos meus avós? A obrigação da declaração me gera mais questões que certezas. Mas acrescento que estas classificações originadas no século XVIII finalmente encontram utilidade em uma política pública de cotas, que é um paliativo para um final de escravidão sem nenhuma política de educação e igualdade. Parece que cem anos depois algo pode ser feito por aqueles escravos do XIX que foram transformados em criados no século XX, vamos ver o que podemos esperar do século XXI. Tenho outro projeto aberto, que também trabalha com colaboração, e que se chama autodeclaração, como uma declaração de rebeldia ao fato de ter que escolher 5 opções dadas pelo governo para definir-se. Uma chamada à reflexão e discussão sobre uma classificação criada e utilizada pelo Estado, baseada em estudos arcaicos que acreditavam que características faciais de uma suposta raça geravam a propensão de cometer um crime. As pessoas que participam me mandam um retrato 3x4 com sua declaração, por exemplo, amarelo estudante de concurso público, café com leite ou qualquer interpretação de sua cor.
Pelo fato de você ser negra o projeto também funciona como um forte statement político, você concorda com isso? 
Concordo, é uma declaração de intenções. Não quero parecer piegas, mas parafraseando Martin Luther King, não quero ser julgada pela minha cor de pele, mas pelo conteúdo do meu caráter. Com humanae essa reflexão de igualdade fica clara. Todos são únicos e todos são iguais, humanos.
Como funciona a seleção das pessoas a serem fotografadas e onde as sessões fotográficas acontecem?
Não existe seleção, são todos voluntários, eu aviso nas redes sociais que estarei retratando em algum lugar, e os que se interessam pela “história” que eu estou contando vêm e são retratados.
Você explica que a intenção do projeto é catalogar todos os tons de cores possíveis da pele humana. Um objetivo ambicioso e de muito trabalho. Você pretende rodar o mundo atrás de pessoas de outras etnias que não estejam ao seu alcance? 
A ideia é essa, passar pelos 5 continentes, é um trabalho que faço sem pressa, mas sem pausa, dentro das minhas possibilidades, porque sou eu que financio Humanae. Os retratos foram feitos em 7 cidades: Madrid, Barcelona, Winterthur, Rio de Janeiro, São Paulo, Paris e Chicago.
Você tem algum tipo de parceria com a Pantone? Algum problema ou dificuldade com direitos autorais (em citar as cores, por exemplo) que queira contar?
Se o que eu quero é destruir os conceitos de cores associadas com a raça, como o vermelho, amarelo, branco e preto, e usando uma espécie de reductio ad absurdum, destruir também o conceito de raça em si e todos os subcódigos implícitos e estabelecidos, não seria lógico usar uma escala de cores que funciona com porcentagens dessas cores. É por isso que eu não uso CMYK ou RGB. Pela minha experiência, o sistema Pantone é uma escala neutra, onde uma cor não tem mais importância do que a outra, é industrial, intimamente associado com algo prático, equitativo e repetitivo. Uma escala muito identificável para uma parte da sociedade que convive com o mundo do design, mas que é facilmente entendido por qualquer pessoa. É uma maneira de olhar objetivamente “o objeto humano”, buscando esclarecer esta “matriz” única, jogando ironicamente em torno da reunificação, e transcendendo todos esses códigos, preconceitos, clichês, etc., para a pessoa única real, que olha para a câmera e faz parte de nossa espécie global. Eu não tenho nenhuma relação com a Pantone, eu só uso o código que está disponível em um programa de edição.
Onde é possível conhecer o seu trabalho pessoalmente neste momento?
No Gewerbemuseum em Winterthur na Suiça até o dia 09 de junho. Também em Madri na Espanha, na Bienal de Arte Contemporânea de la ONCE até o dia 14 de setembro. Em Bergen, na Noruega a partir de 26 de agosto e na Daeguphoto, em Daegu, na Coréia do Sul a partir de 11 de setembro.
Por que escolheu o Tumblr como plataforma para apresentar o seu trabalho online? 
É uma plataforma gratuita, simples, fácil de usar, com um layout que pode ser muito limpo e que por isso valoriza as imagens. E funciona como uma rede social para compartilhar imagens. Eu acredito em projetos interativos e vivos; e a única plataforma que consigo esse movimento atualmente é o Tumblr. O fato de que o trabalho esteja completamente online faz com que várias outras propostas surjam a partir dele. Para mim a principal são as educativas. Muitas professoras utilizam o trabalho para falar com seus alunos sobre igualdade. É uma semente que plantamos para o futuro.
Quais são os seus tumblrs favoritos?



(Source: lounge.obviousmag.org, equipebrasil.tumblr.com)
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